RELATOR : MINISTRO CARLOS FERNANDO MATHIAS (JUIZ FEDERAL CONVOCADO DO TRF 1ª REGIÃO)
R.P/ACÓRDÃO : MINISTRO FERNANDO GONÇALVES
RECORRENTE : PAULO MARTINS FILHO – ESPÓLIO REPR. POR : ALOYSIO MARIA TEIXEIRA FILHO - INVENTARIANTE
ADVOGADOS : MARTINHO CÉSAR GARCEZ E OUTRO(S) THIAGO FREDERICO CHAVES TAJRA HUGO NAPOLEÃO E OUTRO(S)
RECORRIDO : MERCEDES MAGDALENA SERRADOR MARTINS – ESPÓLIO ADVOGADO : PEDRO DE CARVALHO LINS - REPR. POR : DAVIRIA SERRADOR RIBEIRO - INVENTARIANTE
ADVOGADOS : ALEXANDRE VARELLA E OUTRO(S) GUILHERME VIEIRA ASSUMPÇÃO E OUTRO(S)
EMENTA
DIREITO DAS SUCESSÕES.
RECURSO ESPECIAL. PACTO ANTENUPCIAL. SEPARAÇÃO DE BENS. MORTE DO VARÃO.
VIGÊNCIA DO NOVO CÓDIGO CIVIL. ATO JURÍDICO PERFEITO. CÔNJUGE SOBREVIVENTE.
HERDEIRO NECESSÁRIO. INTERPRETAÇÃO SISTEMÁTICA.
1. O pacto
antenupcial firmado sob a égide do Código de 1916 constitui ato jurídico perfeito,
devendo ser respeitados os atos que o sucedem, sob pena de maltrato aos princípios da
autonomia da vontade e da boa-fé objetiva.
2. Por outro lado,
ainda que afastada a discussão acerca de direito intertemporal e submetida a
questão à regulamentação do novo Código Civil, prevalece a vontade do testador.
Com efeito, a interpretação sistemática do Codex autoriza conclusão no sentido
de que o cônjuge sobrevivente, nas hipóteses de separação convencional de bens,
não pode ser admitido como herdeiro necessário.
3. Recurso conhecido
e provido.Brasília, 1º de outubro de 2009. (data de julgamento)
Trata-se de recurso
especial interposto pelo ESPÓLIO DE PAULO MARTINS FILHO, com fulcro no art.
105, inciso III, alíneas "a" e "c", da Carta Maior, em face
de acórdão prolatado pelo Eg. Tribunal de Justiça do Estado do Rio de
Janeiro, sob o fundamento de ter o mesmo malferido os arts. 6.º da Lei de
Introdução ao Código Civil; 1647, inciso I, 1687, 1969 e 2039 do vigente Código
Civil Brasileiro; e 535 do Código de Processo Civil.
Noticiam os autos que
PAULO MARTINS FILHO e MERCEDES MAGDALENA SERRADOR MARTINS, contraíram
matrimônio sob o regime de separação total de bens, fazendo-o de acordo com a legislação
à época vigente por meio de pacto antenupcial lavrado em maio de 1950, no qual
ficou expressamente convencionado entre os nubentes o que se segue:
"que se achando contratados para casar
resolveram que o seu casamento se regerá pela
completa separação de bens; que assim todos os
bens presentes e futuros pertencerão como
próprios e serão incomunicáveis; bem assim o
rendimento de tais bens, podendo cada um dos
outorgantes e reciprocamente outorgados
livremente dispor dos seus bens e rendimentos
sem intervenção do outro e como lhe aprouver,
mantendo cada um dos outorgantes e
reciprocamente outorgados a exclusiva autoridade
de administração, usar e dispor de seus bens a
seu livre arbítrio." (fls. 139)
Em 25.06.2001, PAULO
MARTINS FILHO lavrou testamento público, dispondo da
totalidade de seu patrimônio, deixando como seu único herdeiro seu sobrinho
ALOYSIO MARIA TEIXEIRA FILHO, vindo a falecer em 26.05.2004.
Em 25.06.2004, o
testamenteiro nomeado requereu a abertura da sucessão do
varão, apresentando seu testamento junto ao Juízo da 5.ª Vara de Órfãos da
cidade do Rio de Janeiro para o devido registro arquivamento e
cumprimento, sendo sua execução ordenada por decisão
datada de 04.08.2004.Em 05.09.2004, quase quatro meses após o óbito de seu esposo, veio a falecer MERCEDES MAGDALENA SERRADOR MARTINS.
Abriu-se, assim, a sucessão da mesma, em ação processada junto à 2.ª Vara de Órfãos e Sucessões, na qual encontram-se habilitados onze sobrinhos seus, filhos de seus irmãos já falecidos.
Assim é que, nos autos
do inventário de PAULO MARTINS FILHO, o espólio de
MERCEDES MAGDALENA SERRADOR MARTINS, formulou o pedido de
habilitação que deu origem à controvérsia que se põe à apreciação desta Corte
Superior, sustentando, em síntese, que, nos termos do art. 1.845 do vigente
Código Civil, a despeito da disposição de vontade do testador, haveria de ser
reservada a legítima à sua esposa na condição de herdeira necessária, vez
que já falecidos os ascendentes e inexistentes descendentes do testador.
O juízo singular
indeferiu o pedido de habilitação formulado, o que ensejou a
interposição do agravo de instrumento de que trata o art. 522 do CPC por parte do
espólio de MERCEDES MAGDALENA SERRADOR MARTINS.
"(...)
A disputa está, pois, em se
estabelecer
a qual norma se submete a lide,sabendo-se que o casamento e o testamento
ocorreram na vigência do CC/16, mas os óbitos,
sucessivos, e deram sob o regime da Lei nova
(26.05.04, o do varão; 05.09.04, o da mulher).
aplicada a regra de direito intertemporal -
tais o objeto próprio e a utilidade da Lei de
Introdução ao Código Civil -, dúvida não pode
subsistir quanto a aplicar-se a lei nova, desde que
'expressamente o declare, quando seja com ela
incompatível ou quando regula inteiramente a
matéria de que tratava a lei anterior'. Solar que, em
face do CC/16, o CC/02 correspondente às três
possibilidades, cuidando-se, como se cuida, de
direitos sucessórios do cônjuge sobrevivente.
Prevendo, por óbvio, que muitos seriam os
casos de testamentos lavrados no regime do
CC/16 e óbitos ocorridos na vigência do CC/02,
este fez constar duas regras necessárias e
suficientes, quais sejam as dos arts. 2.041 e 2.042.
O art. 2.041 estabelece que 'as disposições
deste Código relativas à ordem de vocação
hereditária (arts. 1.829 e 1.844) não se aplicam à
sucessão aberta antes de sua vigência,
prevalecendo o disposto na lei anterior'.
Extraem-se dois efeitos: (1.º) todas as demais
disposições do CC/02, relativas à sucessão, vale
dizer, os arts. 1.845 e seguintes, podem, conforme
o caso, ser aplicadas também às sucessões
abertas antes da vigência da nova lei; (2.º) no
caso, abriu-se a sucessão em 2004, já, portanto,
na vigência do CC/02, descabendo manter-se o
regime do CC/16, desde que atendidos os
preceptivos da lei que o revogou.
(...) O art. 2.042 manda aplicar o disposto
no caput do art. 1.848 - que proíbe o testador de
estabelecer, entre outras, cláusula de
incomunicabilidade sobre os bens da legítima -
quando a sucessão se abrir um ano após a entrada
em vigor do CC/02, 'ainda que o testamento tenha
sido feito na vigência do anterior', com a
consequência expressa de que se, nesse prazo, 'o
testador não aditar o testamento para declarar a
justa causa de cláusula aposta à legítima, não
subsistirá a restrição'.
varão faleceu aos 26.05.2004, ou seja, mais de
ano depois de janeiro de 2003, quando passou a
viger o CC/02, e nada aditou ao testamento.
Segue-se que as disposições deste passaram a
obedecer às normas do CC/02. E estas traçam
limite objetivo à liberdade do testador - 'A legítima
dos herdeiros necessários não poderá ser incluída
no testamento' (art. 1.857, § 1.º). Também por
esse motivo, o cônjuge sobrevivente, na qualidade
de herdeiro necessário, faz jus à metade dos bens
destinados ao testamenteiro, por isto que, no caso,
aos herdeiros daquele se deve franquear a
habilitação pretendida." (fls. 610/612-apenso)
Em face do julgado, opôs
o ora recorrente embargos de declaração, suscitando a
inaplicabilidade à hipótese do art. 1.845 do Código
Civil, por ofensa ao
princípio legal e constitucional de respeito ao ato jurídico
perfeito e ao direito
adquirido.
Referidos embargos foram
rejeitados à unanimidade, esclarecendo a Corte a
quo, que a questão constitucional suscitada já fora objeto de apreciação
quando do julgamento de agravo de instrumento distinto, manejado pelo próprio
embargante e autuado sob o n.º 2007.002.08178, a que se negou provimento
também à unanimidade.
Ainda irresignado com o
teor do v. Acórdão prolatado, interpôs o ESPÓLIO DE
PAULO MARTINS FILHO o recurso especial que ora
se apresenta, aduzindo,
preliminarmente, que o agravo de instrumento que ensejou a prolação do
julgado impugnado sequer se fazia merecedor de
conhecimento, vez que,
em suas razões, o então agravante não teria impugnado, especificamente,
todos os fundamentos essenciais da decisão singular atacada, em
especial ao referente à escorreita exegese do art. 2.039 do CC/02.
No mérito, afirma que o
art. 1.845 do Código Civil, ao incluir o cônjuge sobrevivente
no rol dos herdeiros necessários implicaria em ofensa cabal a atos jurídicos
perfeitos e acabados, ofendendo, assim, o art. 5.º, XXXVI, da Carta Maior e
o art. 6.º, §§ 1.º e 2º da LICC. Sustenta, assim, que
"jamais
poderá ser considerado herdeiro necessário justamente aquele cônjuge
que foi casado pelo regime da completa e absoluta separação convencional
de bens" (fls. 751)
Aduz, ainda, que o art.
1.845 do CC/02 se revela incompatível com os
arts. 1.647 e 1.687 daquele mesmo diploma legal,
porquanto os mesmos
conferem total liberdade de administração e disposiçãodo patrimônio ao cônjuge casado através do regime de total separação
convencional de bens.
Assevera que "não
há como se admitir que a lei nova, advinda
muito tempo depois do pacto antenupcial e do próprio testamento
deixado
pelo varão, venha a atingir tais atos jurídicos perfeitos, tornando sem
efeito
as vontades dos cônjuges, transformando-os em herdeiros necessários
um do
outro e impondo-lhes, em razão disto, restrições quanto à disposição
da
totalidade de seu patrimônio pela via testamentária" (fls.
759) e, acerca do tema, conclui que "somente
para os destinatários do testamento este somente se
tornará um ato jurídico perfeito e acabado após a morte do testador.Contudo,
para o próprio testador, suas disposições de última vontade, desde que
feitas de acordo com a legislação em vigência na época em que foi
outorgado
e assinado, são imutáveis após seu falecimento, e jamais poderão ser
alterados pela lei nova" (fls. 767)
Aduz, também,
divergência jurisprudencial, colacionando aos autos ementa de julgado
oriundo do Eg. TJ/RS que, em caso análogo ao que se apresenta, teria
esposado entendimento diverso.
Por fim, aponta o
recorrente ofensa ao art. 535 do CPC, afirmando omisso o
acórdão exarado na origem, em sede de embargos de declaração, por não ter
dirimido a controvérsia à luz da suscitada ilegalidade e inconstitucionalidade do
art. 1.845 do CPC.
O agravado apresentou
suas contra-razões ao apelo nobre (fls. 787/791), pugnando
pela inadmissão do mesmo, posto ser a questão central do apelo -
relativa à ofensa a ato jurídico perfeito - de índole
eminentemente
constitucional, bem como pelo fato de não ter sido referido tema objeto de
prequestionamento. No que se refere à apontada ofensa aoart. 535 do CPC, afirma o recorrido ser indevida a alegação, mesmo porque
teria a Corte de origem deixado expresso que a questão constitucional
suscitada não seria apreciada naquele momento por já ter sido objeto de
análise em agravo de instrumento diverso, manejado pelo próprio embargante, ora recorrente.
Na origem, em exame de
prelibação (fls. 622/630-apenso), recebeu o recurso
especial, bem como ocorreu com o extraordinário (fls. 682/725), crivo negativo
de admissibilidade, ascendendo, assim, o primeiro, à esta Corte Superior, por
força da decisão proferida nos autos do AG n.º1.009.753/RJ.
É o relatório.
Recurso Especial Ministro Carlos Fernando Mathias
DIREITO SUCESSÓRIO. CÔNJUGE SUPÉRSTITE. ART.1845 DO CPC. REGIME MATRIMONIAL DE SEPARAÇÃO TOTAL DE BENS. TESTAMENTO ANTERIOR AO NOVO CÓDIGO CIVIL. DISPOSIÇÃO SOBRE A INTEGRALIDADE DOS BENS. APLICAÇÃO DA LEI NO TEMPO. PROTEÇÃO AO ATO JURÍDICO PERFEITO. VONTADE DO TESTADOR QUE MERECE SER RESPEITADA, IN CASU.
1. Não se verifica
violação ao art. 535 do CPC
quando o acórdão
impugnado examina e decide, de formafundamentada e objetiva, as questões relevantes para o
desate da lide.
2. A alteração
engendrada na norma civil, alçando o
cônjuge supérstite à
condição de herdeiro necessário (art.1845), tem o escopo de protege-lo nas hipóteses em que
desprovido o mesmo do percebimento de eventual meação
advinda do regime matrimonial adotado.
3. In casu,
porém, consoante se infere dos autos
após o falecimento de
seu esposo, optou o cônjugesobrevivente por não habilitar-se no inventário dos bens do
mesmo, respeitando, assim, último ato de vontade deste,
inserto no testamento que lavrara no ano de 2001.
4. Assim, a despeito de,
via de regra, prevalecer, em
matéria de direito
sucessório, a lei vigente à época do
falecimento, por força
do disposto no art. 1.787 do Código
Civil, tenho que,
excepcionalmente, tendo em vista aspeculiaridades do caso em apreço, em homenagem ao
disposto no art. 6.º, §§ 1.º e 2.º, da LICC, que assegura
respeito ao ato jurídico perfeito, devem ser mantidas hígidas
as disposições de última vontade do testador, mesmo
porque estas, corroboradas pela ação em vida da cônjuge
sobrevivente, cumprem não só o desejo do próprio casal,
como estão em consonância com o espírito da norma que
estendeu proteção sucessória a pessoa do cônjuge.
5. Recurso especial
provido.
O dissídio jurisprudencial suscitado encontra-se configurado, bem como encontra-se implicitamente prequestionada a matéria federal inserta nos dispositivos legais apontados pelo ora recorrente como malferidos,
o que, somado ao preenchimento dos demais pressupostos de
admissibilidade recursal, impõe o conhecimento do presente recurso especial.
Consoante o relatado, cinge-se o especial às seguintes alegações: a) violação do art. 6.º, §§ 1.º e 2.º da LICC pela inclusão do
cônjuge supérstite no rol dos herdeiros necessários promovida pelo art. 1.845
do vigente Código Civil; b) incompatibilidade do art. 1.845 do Código Civil com arts 1.647, 1687, 1969 e 2039 daquele mesmo diploma legal; c) divergência
jurisprudencial, ensejadora da abertura da via especial pela alínea "c" do permissivo constitucional; e d) violação do art 535 do CPC, decorrente da
omissão da Corte de origem acerca da suscitada ilegalidade e inconstitucionalidade do art. 1.845 do CPC.
Prima facie, impende destacar que não se vislumbra, na hipótese vertente, a ocorrência da suscitada ofensa ao art. 535 do Código de Processo Civil.
Consigne-se que muito
embora rejeitando os embargos de declaração opostos pelo
ora agravante, o acórdão recorrido examinou, motivadamente, todas as
questões pertinentes ao desfecho da lide.
Assim, no tocante à
alegada violação do disposto no artigo 535, II, do CPC, o
especial não merece provimento, pois a Corte a quo analisou, de forma clara
e fundamentada, todas as questões pertinentes aojulgamento da causa,
consoante se infere do inteiro teor do aresto ora hostilizado.
O dissídio
jurisprudencial suscitado encontra-se configurado, bem como encontra-se
implicitamente prequestionada a matéria federal
inserta nos dispositivos
legais apontados pelo ora recorrente como malferidos, o que, somado ao
preenchimento dos demais pressupostos de admissibilidade
recursal, impõe o conhecimento do presente recurso especial
A despeito de ter sido,
a questão posta nos autos, analisada pela Corte de origem,
quando do julgamento do AI n.º 2007.002.08178-RJ, sob a ótica
constitucional, não há óbice a que seja dirimida a controvérsia,nesta Corte Superior à
luz da legislação infraconstitucional aplicável à hipótese, máxime por
demandar o feito, in casu, acurada análise de regras de direito intertemporal
aplicáveis à espécie em decorrência da entrada em vigor do novo Código Civil.
Posto isso, cumpre
esclarecer que a controvérsia se resume a saber se, o testamento
lavrado antes da entrada em vigor por pessoa casada em regime de
total separação convencional de bens, firmado em decorrência de pacto
antenupcial também celebrado na vigência do código
revogado, configura-se
em ato jurídico perfeito, impondo respeito às disposições de última
vontade do testador que vem a falecer quando da vigência do novel
diploma legal.
O testador, como já
dito, antes da entrada em vigor do novo Código Civil, nomeou
como herdeiro único da totalidade de seus bens, um sobrinho seu, ante a
inexistência de descendentes e ao pré-falecimento deseus ascendentes.
Ocorre que, após o
falecimento do testador, bem como desua esposa, que ocorreu
quatro meses após o óbito do primeiro, habilitaram-se os
sobrinhos desta última, pretendendo, assim, resguardar a legítima que entendem
lhes ser de direito, vez que a novel legislação civil passou a assegurar ao
cônjuge supérstite condição de herdeiro necessário.
Antes de mais nada,
impõe-se firmar a premissa de que tanto o pacto
antenupcial firmado pelos nubentes, PAULO E MERCEDES, como o testamento
lavrado por este último, como atos jurídicos perfeitos e acabados que o são, não
podem ficar a mercê das alterações legislativas futuras, e isto até sem
ser necessário invocar-se a máxima "tempus regit actum".
Não se nega, todavia,
que a alteração engendrada na norma civil, alçando o cônjuge
supérstite à condição de herdeiro necessário, tem justamente o escopo de
protege-lo nas hipóteses em que desprovido o mesmo do percebimento de
eventual meação advinda do regime matrimonial adotado.
In casu,
porém, a questão que se põe vai além da proteção conferida pelo
legislador ao cônjuge sobrevivente.
Consoante se infere dos
autos, MERCEDES, após o falecimento de seu
esposo, optou por não habilitar-se no inventário dos bens do mesmo, respeitando,
assim, último ato de vontade deste, inserto no testamento que lavrara
no ano de 2001. A proteção legal que lhe era
conferida pela lei nova
foi, assim, por ato de vontade da própria MERCEDES,posto em segundo plano sponte propria , tendo optado a mesma por honrar
não só os atos jurídicos perfeitos consubstanciados no pacto antenupcial e no
testamento, já mencionados, como por fazer valer a vontade última de seu falecido cônjuge.
Oportuno ressaltar que,
a despeito das modernas alterações promovidas pelo Código
Civil vigente, em especial no que concerne ao direito sucessório, a livre
disposição dos bens, tanto no novel diploma quanto naquele revogado, sempre
foi direito assegurado aos casados em regime de
separação total de bens,
sendo descabido pretender que não pudesse um deles, dispor em
testamento da integralidade dos mesmos na vigência de norma que, da forma como
estabelecia, não lhe impunha a preservação da legítima, vez que
inexistentes naquele momento herdeiros necessários.
É justamente esta a
inteligência dos arts. 1.647, 1.687 e 2.039 do Código Civil
vigente, apontados pelo recorrente como malferidos, verbis:
"Art.
1647. Ressalvado o disposto no art.
1.648,
nenhum dos cônjuges pode, sem anuênciado outro, exceto no regime de separação absoluta:
I -
alienar ou gravar de ônus real os bens
imóveis;"
"Art.
1687. Estipulada a separação de bens,
estes
permanecerão sob a administração exclusivade cada um dos cônjuges, que os poderá
livremente alienar ou gravar de ônus real."
"Art.
2039. O regime de bens nos
casamentos
celebrados na vigência do CódigoCivil anterior, Lei n.º 3.071, de 1.º de janeiro de
1916, é o por ele estabelecido."
Assim, in casu,
não há invocar-se que em direito sucessório, a lei vigente à época do
falecimento, por força do disposto no art. 1.787 do Código Civil,
impondo-se, em homenagem ao disposto no art. 6.º, §§ 1.º e 2.º, da LICC e em harmonia
com outras disposições pertinentes do Código Civil,
tanto o de 1916, quanto
o atual, (verbi gratia, art. 276 do Código Beviláqua e arts. 1.647, 1687 e
2.039 do Código Civil atual), que assegura respeito ao atojurídico perfeito, devem ser mantidas hígidas as disposições de última vontade do testador, mesmo porque estas, corroboradas pela ação em vida
da cônjuge sobrevivente, cumprem não só o desejo do próprio casal, como
estão em consonância com o espírito da norma que estendeu proteção sucessória a pessoa do cônjuge (Código Civil de 2002, art. 1845).
Ex
positis, DOU PROVIMENTO ao presente recurso especial, para
restabelecer a decisão do juízo singular, que indeferiu o pedido de habilitação do
espólio de MERCEDES MAGDALENA SERRADOR
MARTINS no inventário de
PAULO MARTINS FILHO.
É como voto.
A controvérsia constante dos autos decorre dos seguintes fatos:
Paulo Martins Filho, no ano de 1950, casou-se com Mercedes Magdalena Serrador Martins em regime de separação de bens. Do casamento não tiveram filhos.
Em 26 de maio de
2004, aos noventa anos de idade, Paulo faleceu, deixando testamento no qual
beneficiou seu sobrinho Aloysio Maria Teixeira Filho, aquinhoando-o com todos os seus bens.
Ocorreu que, quatro meses depois, Mercedes também faleceu, e seus bens foram inventariados e
partilhados entre 11 sobrinhos, filhos de irmãos já falecidos.
Porém, tais sobrinhos
resolveram habilitar-se no espólio de Paulo Martins, sustentando a
seguinte tese: Paulo Martins faleceu na vigência do novo Código Civil, que
elevou
o cônjuge supérstite
à categoria de herdeiro necessário. Assim, Mercedes era sua herdeira e,
como faleceu depois,
entendem que, sendo herdeiros de Mercedes, têm direito à parte da herançade Paulo, tida por legítima.
A habilitação foi
julgada improcedente no primeiro grau, mas essa decisão foi reformada pelo
Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro com base na interpretação que conferiu aos artigos
2.041 e 2.042 do Código Civil de 2002.
Aviado recurso
especial, o Ministro Relator, Carlos Fernando Mathias, deu-lhe provimento, mantendo
o ato de vontade perpetrado entre os cônjuges, qual seja: de manter seus patrimônios
dissociados nada obstante a nova regra do Código.
Concluiu o i.
Relator:
“Consoante se infere
dos autos, MERCEDES, após o falecimento de seu
esposo, optou por não
habilitar-se no inventário dos bens do mesmo, respeitando,assim, último ato de vontade deste, inserto no testamento que lavrara no ano de 2001.
A proteção legal que lhe era conferida pela lei nova foi, assim, por ato de vontade da
própria MERCEDES, posto em segundo plano sponte própria , tendo optado a mesma
por honrar não só os atos jurídicos perfeitos consubstanciados no pacto antenupcial e
no testamento, já mencionados, como por fazer valer a vontade última de seu falecido
cônjuge.”
Pedi vista dos autos para melhor análise e entendo que o acórdão recorrido deve ser mantido.
I
É certo que o
casamento de que os autos tratam ocorreu em 1950, na vigência, portanto, do Código
Civil de 1916, segundo o qual o cônjuge era apenas meeiro, observadas as disposições relativas
ao pacto-antenupcial, cujos termos não encontravam limites (art. 256),exceto nas hipóteses em que era obrigatória a separação de bens. In casu, o regime adotado foi o
de separação de bens, sendo que o Sr. Paulo optou por deixar os seus ao sobrinho Aloysio.
Ocorre que faleceu quando já vigia o novo Código Civil, de modo que sua esposa
sobrevivente, Mercedes, foi elevada à categoria de herdeira necessária.
Então, a questão que
se propõe a ser resolvida assenta-se em estabelecer se o ato de
disposição de vontade
pelos cônjuges – casamento com separação total de bens – , culminadocom o ato de última vontade manifestado pelo Sr. Paulo – testamento deixando seus bens ao
sobrinho Aloysio –, prevalece em face das novas regras estabelecidas no Código Civil
atualmente em vigor e se há vulneração do ato jurídico perfeito.
Entendo que não e,
nesse sentido, penso que está correto o acórdão recorrido, data vênia do entendimento
do Ministro Relator.
O Código Civil de
2002 foi específico ao estabelecer as regras de direito intertemporal acerca
do assunto, dispondo no seu artigo 2.041:
Art. 2.041. As
disposições deste Código relativas à ordem da vocação
hereditária (arts.
1.829 a 1.844) não se aplicam à sucessão aberta antes de suavigência, prevalecendo o disposto na lei anterior.
Conclui-se que à
sucessão aberta antes de 11 de janeiro de 2003 aplicam-se as disposições do código
anterior à ordem da vocação hereditária.
In
casu, como aferido no acórdão recorrido, "Paulo faleceu aos
26.05.2004 (fls. 35); Mercedes,
aos 05.09.2004 (fls. 49). É certo, portanto, que a sucessão foi aberta na vigência
do novo
Código Civil" (fl. 633).
Pois bem, o cônjuge,
na vigência do Código de 1916, observando o artigo 1.603 e incisos, era herdeiro
legítimo; regra essa que foi mantida no atual código, conforme o disposto no artigo 1.829 e
incisos:
“Art. 1.829. A sucessão
legítima defere-se na ordem seguinte:
I - aos descendentes,
em concorrência com o cônjuge sobrevivente, salvo secasado este com o falecido no regime da comunhão universal, ou no da separação
obrigatória de bens (art. 1.640, parágrafo único); ou se, no regime da comunhão
parcial, o autor da herança não houver deixado bens particulares;
II - aos ascendentes, em concorrência com o cônjuge;
III - ao cônjuge sobrevivente;
IV - aos colaterais.”
A inovação trazida
pelo código atual está em que o cônjuge supérstite foi elevado à
categoria de herdeiro
necessário conforme expressamente previsto no artigo 1.845 (que não
encontra dispositivo
similar na Código revogado). Observe-se:
Art. 1.845. São
herdeiros necessários os descendentes, os ascendentes e o
cônjuge.
Nesse ponto, o
Ministro relator bem referiu que a alteração engendrada na norma civil, alçando o
cônjuge supérstite à condição de herdeiro necessário, teve o escopo de protegê-lo. Os
autores são unânimes nesse sentido; confira-se Eduardo de Oliveira Leite; in Comentários ao Novo
Código Civil, vol. XXI, 3ª edição, pág. 217:
“A inovação só se
justifica pela irresistível intenção de favorecer o cônjuge
sobrevivente,
partícipe inconteste da comunhão de vida e de interesses quecaracterizam a sociedade conjugal e que, certamente, não desaparece com a
dissolução do casamento.”
Todavia, a lei fez
algumas ressalvas no que concerne à concorrência do cônjuge sobrevivente com os
descendentes do de cujus, estabelecendo que não há concorrência, não
herdando o cônjuge
se: (a) o regime de bens era o de comunhão universal; (b) se de separaçãoobrigatória; e (c) se, no regime de comunhão parcial, o autor da herança não houver deixado
bens particulares.
Isso se explica
porque, na primeira e na última hipóteses, o cônjuge é meeiro do total de bens deixado pelo de
cujos, já estando devidamente amparado; e, na segunda hipótese,
porque é a vontade da
lei que fixa que, em determinados casos, não pode haver nenhum tipo decomunhão de bens, mesmo que queiram os nubentes.
Conclui-se daí que o
legislador trouxe para as disposições sucessórias algumas regras atinentes ao
regime de bens do casamento, instituto este pertencente ao direito de família,
extraindo-se dele
que: bens particulares constitui o patrimônio pessoal de cada um dos cônjuges,são bens que cada um possui antes do casamento; já os bens comuns são os que passam a
pertencer a ambos os cônjuges em razão do regime de casamento.
Importa destacar que,
se a lei fez algumas ressalvas quanto ao direito de herdar em razão do regime de
casamento ser o de comunhão universal ou parcial, ou de separação obrigatória, não fez
nenhuma quando o regime escolhido for o de separação de bens não obrigatório, de forma
que, nessa hipótese, o cônjuge concorre com os descendentes e
ascendentes, até
porque o cônjuge casado sob tal regime, bem como sob comunhão parcial naqual não haja bens comuns, é exatamente aquele que a lei buscou proteger, pois, em tese, ele
ficaria sem quaisquer bens, sem amparo, já que, segundo a regra anterior, além de não herdar,
(em razão da presença de descendentes) ainda não haveria bens a partilhar.
In
casu, não há nenhum tipo de ressalva que tirasse de Mercedes a
possibilidade de herdar. Tinha ela, ao
tempo da morte de seu esposo, legitimidade e capacidade de herdar - a lei civil foi alterada
conferindo-lhe a posição de herdeira necessária; o casal não deixou descendentes; não
tinha seu falecido esposo ascendentes. Assim, em que pese o regime de
casamento escolhido
por eles ser o de separação de bens, Mercedes, cônjuge supérstite, herda -no que toca à legítima - sem nenhuma concorrência.
Assim, não tenho
dúvida alguma de que Mercedes, por ter falecido após seu marido que não deixou
descendentes, passou à categoria de herdeira necessária, mesmo diante do pacto
antenupcial de regime
de separação de bens.
II
Todavia, o caso
envolve uma particularidade: o Sr. Paulo deixou testamento beneficiando sobrinho
com todos os seus bens; portanto, é a sucessão testamentária que está sendo contestada.
Cabe observar que, em
princípio, pode-se dispor por testamento da totalidade ou de
parte dos bens para
depois da morte, isso se o testador não tiver herdeiros necessários: quaissejam: descendentes, ascendentes e cônjuge.
De fato, o testador,
Sr. Paulo, não tinha herdeiros necessários segundo a regra do
código revogado, pelo
que dispôs livremente da totalidade de seus bens. Todavia, quando asucessão foi aberta, vigia nova regra e ele passou a ter uma herdeira, sua esposa, a quem
precisaria ter deixado parte correspondente a metade da herança, que é a parte indisponível.
Nada obstante essa modificação legislativa ter-se operado depois do casamento, bem
como da lavratura do testamento, não há por que falar em violação de ato jurídico perfeito ou de
direito adquirido, pois as disposições do novo código projetam-se nos testamentos feitos
antes da sua vigência, uma vez que a lei que regula a sucessão e a legitimação para suceder
é a vigente ao tempo da abertura da sucessão. Isso não só pela regra acima indicada, constante
do disposto no art. 2.041, como pelo disposto no artigo 1.787, assim exarado:
“Art. 1.787. Regula a
sucessão e a legitimação para suceder a lei vigente ao
tempo da abertura
daquela.”
Eduardo de Oliveira
Leite, na obra citada acima, pág. 30, comentando o dispositivo, elucida:
“O elemento temporal
produz efeitos distintos, quer se trate da sucessão
legítima, quer da
testamentária.Com relação à sucessão legítima, a incidência do princípio não abre espaço a
qualquer exegese mais favorável: a lei do tempo da abertura da sucessão é que regula
todas as questões pertinentes à herança do de cujus (salvo, evidentemente, a
ocorrência de alguma condição, materializando-se a capacidade para suceder, no
momento em que esta se verifica).”
Trata-se de princípio
antigo, que constava do Código Civil do 1916, no artigo 1.577, cuja redação era a
seguinte:
Art. 1.577. A
capacidade para suceder é a do tempo da abertura da sucessão,
que se regulará
conforme a lei então em vigor.
A
capacidade é determinada pela lei; assim, é a lei que vigora no tempo da abertura
da sucessão que deve regulá-la.
Darcy Arruda Miranda,
ao comentar o artigo acima revogado, indica (Anotações ao Código Civil
Brasileiro, 3º volume, 1986, pág. 616):
“11. A capacidade
para suceder é a do tempo da abertura da sucessão, ou seja,
do momento em que o
autor da herança vem a falecer, regulando-se essa aberturaconforme a lei então em vigor (art. 1.577). Assim se o herdeiro instituído à época em
que foi feito o testamento era capaz, mas veio a tornar-se incapaz ao tempo da
sucessão, não sucede; porém, se era incapaz ao ser lavrado o testamento e veio a
se tornar capaz por ocasião da abertura da sucessão, sucede” (destaquei).
O final da citação
acima, que destaquei, corresponde exatamente à hipótese versada nos presentes autos,
pois a Sra. Mercedes, ao tempo em que feito o testamento era herdeira apenas legítima;
contudo, passou a ser herdeira necessária em conformidade com as disposições do novo Código Civil,
sendo esta a lei vigente ao tempo da abertura da sucessão.
Os autores atuais, ao
elaborarem seus comentários sobre as questões sucessórias, não
discrepam da doutrina
antiga. Observa-se, por exemplo, que Paulo Nader, sobre a capacidade
sucessória, escreve:
"Quanto aos
testamentos, estes devem atender aos requisitos formais da lei
vigente na data de
sua feitura, mas a capacidade para suceder corresponderá à previstaem lei quando da abertura da sucessão, como estabelece o art. 1.787 do Código Civil"
(in Curso de Direito Civil - Direito das Sucessões, 2ª edição, págs. 31).
Essa é uma regra básica
e antiga que não sofreu quaisquer alterações desde antes do
Código Civil de 1916
até a atualidade, não existindo polêmicas acerca da questão que a envolve.
Portanto, prevalece a
regra de que a capacidade para suceder é a do tempo da abertura da sucessão.
III
O recorrente sustenta
a tese de que houve ferimento ao ato jurídico perfeito e ao direito adquirido,
porquanto afirma que o pacto antenupcial e o testamento representam ato devontade dos nubentes e que isso deveria ser respeitado.
Ocorre que não há por que falar em direito adquirido na presença de uma expectativa de direito, como o de suceder.
O autor citado acima,
Paulo Nader, explica:
"Direito
adquirido não se confunde com expectativa de direito. Aquele é
situação jurídica
resguardada pela ordem jurídica, enquanto esta outra figura revelaapenas probabilidade de aquisição de direito. Expectativa é apenas o direito em
potência, pois depende de algum acontecimento futuro e incerto. É a situação jurídica
de alguém que, mantidas as condições existentes, poderá adquirir um direito, como no
caso de herança" (obra citada, vol. I, pág. 122).
Continua o autor já
se referindo ao conflito de leis sucessórias no tempo:
"As regras
aplicáveis à sucessão ab intestato são as vigentes à época em que se
verificou a morte do
titular do patrimônio. Este fato natural constitui a causadeterminante da sucessão. Como se destacou anteriormente, sem o evento morte
inexiste direito subjetivo à sucessão, apenas expectativa de direito, restando assim
inconcebível a aplicação de lei revogada antes do falecimento. Deste modo, Túlio
poderia estar beneficiado, de longa data, com a vocação hereditária prevista na lei 'A',
todavia, se na data da morte do causante, encontrava-se em vigor a lei 'B', que lhe era
menos favorável, não terá argumentos jurídicos para pleitear a aplicação da lei 'A',
pois a sua situação jurídica não se encontrava protegida em qualquer hipótese do art.
5º, inciso XXXVI, da Constituição Federal (direito adquirido, ato jurídico perfeito ou
coisa julgada ). E como se sabe e o próprio Code Napoleon proclama: 'La loi ne
dispose que pour l'avenir; elle n'a point d'effet
rétroactif' (art. 2º)
Aplicando-se o que
foi dito à codificação brasileira, tem-se que o óbito havido
durante a vigência do
Código Beviláqua, por ele a sucessão se orientará; o ocorrido apartir da vigência do Código Reale, a sucessão correspondente será por ele regulada.
A capacidade para suceder deve ser aferida no momento da abertura da sucessão, ou
seja, no momento em que a morte se verificou" (obra citada, vol. 6, pág. 31).
Portanto, Aloysio
Maria Teixeira, herdeiro testamentário, até a morte de testador, tinha apenas uma
expectativa de direito de titularidade sobre o patrimônio de seu tio; isso porque, ao tempo em
que feito o testamento (apenas para citar duas hipóteses), dependia da morte do testador e
da lei vigente à época do óbito.
Contudo, o testador
veio a falecer em 26 de maio de 2004, quando já vigiam as regras do novo ódigo
Civil, que incluiu o cônjuge supérstite na condição de herdeiro necessário.
Dessume-se disso tudo
que a habilitação do espólio da herdeira necessária no espólio de Paulo Martins não
fere nenhum direito adquirido de Aloysio, uma vez que esse não existia.
No que tange ao ato
jurídico perfeito, defendido pelo recorrente quanto ao pacto antenupcial e ao
testamento, a mesma condição se verifica.
O pacto antenupcial
não está sendo questionado. Trata-se de instituto afeto ao direitode família, e não ao de sucessões. Pelo que consta dos autos, foi respeitado integralmente pelos
cônjuges, que nada acerca dele demandaram. É, realmente, negócio jurídico perfeito, até porque
é instituto abraçado pelo atual Código Civil e nenhuma disposição dele está sendo questionada
sob a vertente do direito intertemporal.
Por outro lado,
deve-se considerar que, no tempo em que o testamento foi realizado, em 2001, vigia o
Código Civil de 1916, que abraçava, como citado em linhas precedentes, o princípio segundo o
qual as regras aplicáveis à sucessão são as vigentes à época em que se verifica a morte do
titular do patrimônio, exatamente como previsto no código atual.
Assim, o testador
deveria saber que a prevalência de sua vontade dependeria de que a lei vigente não
fosse alterada.
“ No Brasil, como em
todos os países cultos, em regra é respeitada a autonomia
da vontade; a lei
dispõe somente para os casos não previstos pelos indivíduos, nãoresolvidos por êstes em atos jurídicos válidos. Há, entretanto, um conjunto de idéias –
sociais, políticas, econômicas, morais e até religiosas a cuja conservação a sociedade
crê ligada a própria existência. Êsses princípios fundamentais, orgânicos, iniludíveis
se sobrepõem às diliberações dos particulares; denominam-se de ordem pública.
Acima da vontade dos indivíduos está o interêsse social; e 'leis de ordem
pública são aquelas que interessam mais diretamente à sociedade que aos particulares'
(definição de Portalis); 'as que, em um Estado, estabelecem os princípios cuja
manutenção se considera indispensável à organização da vida social, segundo os
preceitos do Direito' (no conceito de Clóvis Bevilaqua)” (in Direitos das Sucessões,
1952, págs. 47/48).
"A proteção
legal que lhe era conferida pela lei nova foi, assim, por ato de
vontade da própria
MERCEDES, posto em segundo plano sponte propia, tendooptado a mesma por honrar não só os atos jurídicos perfeitos consubstanciados no
pacto antenupcial e no testamento, já mencionados, como por fazer valer a vontade
última de seu falecido cônjuge."
Com toda vênia, não
corroboro esse entendimento.
O inventário de Paulo
foi aberto pelo testamenteiro, Luis Eduardo Tenório, quando o prazo do artigo 983
estava se esgotando. Justificou-se que tanto o cônjuge supérstite, como o legatório, Aloysio,
estavam impossibilitados de o fazerem; este porque estava fora da cidade do Rio de Janeiro, e
aquela, porque muito idosa, estava sob cuidados médicos. Observe-se:
"Ocorre que o
cônjuge supérstite - D.MERCEDES, senhora com 90 (noventa)
anos de idade
(nascida em 17/11/1914), encontra-se profundamente abalada com amorte de seu esposo e sob cuidados médicos em sua residência" (fl. 31).
Ora, é de se presumir
que uma senhora com mais de noventa anos, debilitada e necessitada de
cuidados médicos, e ainda sentido a perda do marido, com quem fora casada por mais de cinquenta
anos, não iria se ocupar com habilitação em inventário nenhum. Ademais, não tinha filhos, nem
netos, e, portanto, ninguém que pudesse cuidar de seus interesses, já que impossibilitada de
fazê-lo por ela mesma.
Os seus sobrinhos,
por certo, não iriam cuidar disso, pois se ela viesse a renunciar à herança, não teriam
nada a pleitear dos bens de seu falecido esposo, como estão a fazer no presente momento.
Pelo quadro que se
apresentava à época, não seria demais concluir que a Sra. Mercedes
desconhecesse que deveria renunciar à herança para que o ato de última vontade
de seu falecido esposo
pudesse ser acatado. Penso que seria preciso abnegação, retidão e um senso
de justiça incomum
atualmente para que qualquer um de seus sobrinhos tomasse a iniciativa defazer respeitar o ato de vontade dos esposos, propondo à sua tia que renunciasse ou
indicando-lhe essa possibilidade.
Ante este quadro, não
creio que se possa falar em renúncia sponte propria .
De qualquer forma, o
fato é que renúncia não houve, e a legislação estabelece que ela deve ser feita
expressamente por escritura pública ou termo judicial. Observe-se:
Art. 1.806. A
renúncia da herança deve constar expressamente de instrumento
público ou termo
judicial.
"Dispõe o art. 1.806 do Código Civil que 'a
renúncia da herança deve constar
expressamente de instrumento público ou termo
judicial'. Não pode ser tácida,portanto, como sucede com a aceitação. Também não se presume, não podendo ser
inferida de simples conjecturas. Tem de resultar de ato positivo e só pode ter lugar
mediante escritura pública que traduza uma declaração de vontade, ou termo judicial .
Este é lavrado nos autos do inventário e aquela é simplesmente juntada" (in Direito
Civil Brasileiro, 3ª edição, pág. 82).
Não se pode,
portanto, concluir que a Sra Mercedes tenha renunciado, pois não só não poderia fazê-lo
tacitamente, como não há nada que indique ter sido a vontade dela.
V
Vê-se, portanto, que:
a) segundo
disposições do Código Civil de 2002, o cônjuge supérstite é herdeiro necessário;
b) a capacidade para
suceder corresponde à lei em vigor quando da abertura da sucessão;c) inexiste direito adquirido de herdar enquanto vivo o autor do patrimônio a ser partilhado;
d) não houve renúncia à herança pela Sr. Mercedes.
Com base em todo o
exposto, e pedindo vênia ao ilustre Relator, não conheço do recurso especial.
É como voto.
VOTO-VISTA
O SR. MINISTRO
LUIS FELIPE SALOMÃO:1. A questão submetida a julgamento é a seguinte:
- Paulo Martins Filho casou-se com Mercedes Magdalena Serrador Martins
segundo o regime de separação de bens acordado em pacto antenupcial celebrado em
19 de maio de 1950 e lavrado no 23º Cartório da Cidade do Rio de Janeiro;
- Em 26 de maio de 2001, Paulo Martins Filho lavrou testamento público
deixando a totalidade de seus bens para seu sobrinho Aloysio Maria Teixeira Filho, vindo
a falecer em 26 de maio de 2004;
- Quatro meses após, dia 5 de
setembro de 2004, morreu a sua esposa
Mercedes Magdalena Serrador
Martins;
- Foi requerida a abertura da
sucessão do varão. Em 04 de agosto de 2004
foi prolatada decisão
determinando a execução do seu testamento;- Por sua vez, a sucessão de Maria Magdalena Serrador Martins foi aberta,
habilitando-se como herdeiros
onze sobrinhos e sobrinhas;
- Como a morte de Paulo Martins
Filho ocorreu na vigência do Novo Código
Civil, os sobrinhos de Mercedes
Magdalena apresentaram pedido de habilitação noespólio de Paulo Martins, sob o argumento de que, nos termos do artigo 1.845 do Novo
Código Civil, o cônjuge supérstite erigiu-se à categoria de herdeiro necessário, de forma
que, sendo herdeiros de Mercedes Magdalena, têm direito à parte da legítima que lhe
caberia.
O pedido de habilitação foi
negado.
Interposto agravo de instrumento,
o TJRJ proferiu acórdão do seguinte teor:sido casados sob o regime de separação total e tendo o varão lavrado
testamento, destinando todo o seu patrimônio a um sobrinho. Casamento e
testamento anteriores ao Código Civil de 2002; óbitos em 2004. Conflito
intertemporal de norma: segundo o CC/16, a mulher nada herdaria em face
do testamentário; sob o CC/02, o cônjuge sobrevivente é equiparado a
herdeiro necessário, fazendo jus à meação. Prevalência do regime da lei
nova. Lição de Carlos Maximiliano. Provimento do recurso. (fl. 603/apenso).
Irresignado, o Espólio de Paulo Martins interpôs recurso especial sustentando, em suma, a inadmissibilidade do agravo de instrumento e violação ao artigo 6º, §§ 1º e 2º da LICC, além de incompatibilidade entre os artigos 1.845 e 1.647 e 1.687 do mesmo diploma legal.
O eminente Ministro Relator
Carlos Fernando Mathias deu provimento ao recurso especial por entender
feridos os atos jurídicos perfeitos consubstanciados no pacto antenupcial firmado entre
os cônjuges e no testamento lavrado pelo varão, ambos na vigência do Código Civil de
1916.
Pediu vista o ilustre Ministro
João Otávio de Noronha e proferiu voto divergente para negar provimento
ao apelo nobre, amparado nas seguintes premissas:
a) segundo disposições do Código
Civil de 2002, o cônjuge supérstite é
herdeiro necessário;b) a capacidade para suceder corresponde à lei em vigor quando da abertura da
sucessão;
c) inexiste direito adquirido de herdar enquanto vivo o autor do patrimônio a ser partilhado;
d) não houve renúncia à herança pela Sra. Mercedes.
Estabelece o voto divergente que
não foram atingidos os atos jurídicos seja quanto ao pacto antenupcial, seja
quanto ao testamento.
O pacto antenupcial porque
"é instituto abraçado pelo atual Código Civil e nenhuma disposição dele está
sendo questionada sob a vertente do direito intertemporal". O
testamento, porque "nada foi contestado sob o aspecto formal" e, quanto ao aspecto material,
"deve-se considerar que é ato de manifestação da vontade sem efeito imediato, ou seja, ele
somente produzirá efeitos após a morte do testador" não sendo assim "alcançado pelo
princípio da irretroatividade".
Pedi vista dos autos. Passo a
votar.
2. A questão que se põe é: se o
pacto antenupcial é celebrado para dispor acerca do regime de bens no
casamento e o testamento foi lavrado considerando esse acordo, como dizer que não houve
violação ao ato jurídico perfeito, se não cumpridas as disposições de última vontade
estabelecidas nesse testamento?
Quando elaborou o testamento, em
maio de 2001, o regime de bens do casamento era o da separação
total de bens, e a opção do falecido foi a de deixar todos os bens para o sobrinho, à míngua
de herdeiros necessários.
Todavia, sobreveio o Novo Código
Civil e inseriu o cônjuge como herdeiro necessário (art. 1.845).
É preciso, portanto, estabelecer
interpretação do art. 2.042, do NCC em harmonia com o que dispõe os
arts. 6º, § 1º, LICC e 2.039, do NCC, todos abaixo transcritos, observadas as
peculiaridades do caso concreto.
Assim dispõem os referidos
dispositivos:
Art. 2.042. Aplica-se o disposto
no caput do art. 1.848, quando aberta a
sucessão no prazo de um ano após
a entrada em vigor deste Código, aindaque o testamento tenha sido feito na vigência do anterior, Lei n.º 3.071, de 1º
de janeiro de 1916; se, no prazo, o testador não aditar o testamento para
declarar a justa causa de cláusula aposta à legítima, não subsistirá a restrição.
Art. 6°. A lei em vigor terá
efeito imediato e geral, respeitados o ato jurídico
perfeito, o direito adquirido e a
coisa julgada.§ 1°. Reputa-se ato jurídico perfeito o já consumado segundo a lei vigente ao
tempo em que se efetuou.
Art. 2.039. O regime de bens nos
casamentos celebrados na vigência do
Código Civil anterior, Lei nº
3.071, de 1º de janeiro de 1916, é o por eleestabelecido.
Comento.
Embora para alguns o testamento
celebrado na vigência do sistema anterior configure ato jurídico perfeito
que não poderia ser atingido por lei posterior, a maior parte dos doutrinadores entende que,
ainda que ato jurídico perfeito, os seus efeitos somente serão produzidos após a abertura
da sucessão.
Porém, no caso é impossível
dissociar o pacto antenupcial e o testamento, de modo que os atos jurídicos
perfeitos e acabados devem ser respeitados, sob pena de
se gerar uma situação de
insegurança jurídica e de se ferir o princípio da autonomia da vontade, na medida em que lhes é
assegurada a liberdade em contratar.
Não é possível que o advento de
uma nova lei possa deixar ao desamparo aqueles que, de boa fé,
concretizaram negócios e exteriorizaram manifestações de vontade em observância estrita à
lei vigente à época.
Assim, há que se levar em
consideração o pacto antenupcial firmado ainda na vigência da lei anterior e as
conseqüências dele advindas.
Nesse particular, o parecer
ofertado pelo jurista Nilton Mondego de Carvalho em consulta feita pelo
recorrente:
CLÓVIS BEVILÁCQUA discorrendo,
com a sua inegável autoridade,
sobre o tema, ressaltava que:A irrevogabilidade do regime que o Código estatui no final do art.
230, funda-se em duas razões: o interesse dos cônjuges e o de terceiros.
O interesse dos cônjuges, porque depois de casados, um poderia abusar
da fraqueza do outro e obter modificações em seu proveito exclusivo. O
interesse de terceiros, porque os cônjuges poderiam combinar-se, e, por
um determinado regime, subtrair bens à ação de credores que com eles
tivessem contata o no momento de contratar. A estabilidade do regime é
uma expressão de boa fé e uma garantia para os que tratam com os
cônjuges. Além dessas razões de ordem prática há uma outra de lógica
jurídica. O casamento é um contrato pessoal e perpétuo. O regime de
bens durante ele deve ser estável, inalterável para corresponder à
perpetuidade e imutabilidade das relações pessoais enquanto perdura a
sociedade conjugal' (COMENTÁRIOS AO CÓDIGO CIVIL, vol. II, pág.105)
No tocante ao objeto da consulta, tem-se que os interessados, por meio
de escritura pública do PACTO ANTENUPCIAL DE SEPARAÇÃO DE BENS,
estabeleceram esse regime, ficando claro, nesse instrumento, que todos os
bens, presentes e futuros pertenceriam aos respectivos titulares e seriam
incomunicáveis bem como os rendimentos deles, em razão do que poderiam
eles dispor livremente de tais bens e rendimentos sem intervenção do outro,
como bem lhes aprouvesse, tendo ambos, ao que parece, vultoso patrimônio.
ORLANDO GOMES, referindo-se ao regime de separação de bens, ensinava que:
O regime da separação de bens caracteriza-se pela
incomunicabilidade dos bens presentes e futuros dos cônjuges. Os
patrimônios permanecem separados quanto à propriedade dos bens que
os constituem, sua administração e gozo, assim como as dívidas passivas.
Provém de duas fontes: a convenção e a lei.
Algumas legislações têm-no como REGIME LEGAL, mas, entre nós,
é, de regra, facultativo. Necessário que os nubentes o instituam mediante
PACTO ANTENUPCIAL. Em certas condições, porém, a lei impõe. Diz-se
que, nesse caso, é obrigatório, por ser exigido como sanção, ou por
motivos de ordem pública (obra citada, pág. 193, n.º 121).
WASHINGTON DE BARROS MONTEIRO, no que tange a esse
aspecto, observava, na obra acima citada, na página 143, que o Código Civil
Brasileiro facultava aos nubentes a escolha de qualquer dos regimes por ele
admitidos, exceto as hipóteses do art. 258, parágrafo único, do mesmo
Código (1916), em que o da separação de bens seria compulsório, com
predominância do princípio da autonomia da vontade.
Repisando esse entendimento, esclarecia ele, ainda, que:
Nessa matéria, insista-se, movimentam-se as partes com a maior
liberdade, discricionariamente mesmo.
Gozam eles de ampla autonomia, dispondo como lhes convenha, a
respeito de suas mútuas relações econômicas. (obra citada, p. 144).
Referindo-se ao regime da separação de bens, e, conceituando-o, põe em relevo que:
Eis o regime em que cada cônjuge conserva exclusivamente para si
os bens que possuía quando casou, sendo também incomunicáveis, os
bens que cada um deles veio a adquirir na constância do casamento.
Como adverte CLÓVIS, o que caracteriza esse regime é a completa
separação do patrimônio dos dois cônjuges, nenhuma comunicação se
estabelecendo entre as duas massas, ou dois acervos. A cada um o que é
seu, aí está a fórmula individualista, que bem sintetiza o aludido regime
matrimonial. (obra citada, pág. 172).
Resulta daí que o PACTO ANTENUPCIAL que foi estabelecido entre
PAULO MARTINS (tio do consulente) e MERCEDES MAGDALENA
SERRADOR, referido na consulta, constitui ATO JURÍDICO PERFEITO (e
por isso é inegável) sob pena de evidente contrariedade ao disposto no § 1º,
do art. 6º da Lei de Introdução ao Código Civil (...).
Em tendo sido fixado, naquele instrumento, o regime de separação de
bens, em estrita observância ao referido princípio da autonomia da vontade,
lei alguma posterior poderia alterá-lo (e não alterou, como é óbvio),
tratando-se como se trata sem sombra de dúvida de ato jurídico perfeito.
(...)
stá muito claro, no artigo 2.039, do Código em vigor, que o regime de
bens nos casamentos celebrados na vigência do anterior (Lei n.º 3.071, de 1º
de janeiro de 1916) seria, obviamente, o que foi por ele estabelecido.
Isso quer dizer que os PACTOS ANTENUPCIAIS firmados sob a égide
do Código Civil de 1916, não poderiam ser alterados pelo Novo Código Civil
(e não o foram) permanecendo, portanto, com plena eficácia, respeitando-se,
assim, os atos jurídicos subseqüentes, que dele, por ventura, decorreram.
A regra do § 1º, do art. 2º, da Lei de Introdução ao Código Civil sem
qualquer resquício de dúvida, não tem qualquer incidência na espécie,
tratando-se de evidente equívoco a sua invocação, considerando, sobretudo ,
a ausência de qualquer suporte de fato a justificá-la.
Em sendo o regime de bens imutável, não podendo haver qualquer
comunicação entre os patrimônios dos nubentes, o testamento (não revogado
e nem alerado), efetuado por um deles (cônjuge varão), deixando todos os
bens para o consulente constitui, de igual forma, ATO JURÍDICO PERFEITO,
não podendo o legislador alterá-lo para atribuir ao cônjuge sobrevivente (vale
dizer: aos herdeiros desta) o direito à metade dos referidos bens, porque, aí,
sem incidência, estar-se-ia aplicando lei posterior, com evidente alteração do
regime de bens, estabelecido pelos nubentes, em flagrante violação aos
citados dispositivos legais e constitucionais. (fls. 5/9)
A argumentação desenvolvida, com
acerto, dispõe sobre a inegável influência, no plano sucessório,
do regime de bens estabelecido pelos cônjuges, concluindo pela inaplicabilidade
ao caso, das regras dos artigos 1.845 e 1.848 do Novo Código Civil, sob pena de se
fazer letra morta do pacto antenupcial - ato jurídico perfeito - no qual ficou estabelecida, por
livre manifestação dos contraentes, a separação e incomunicabilidade total dos seus
bens, o que aliás continua a ser admitido pela novo diploma substantivo, em seu
artigo 1.639.
Esse aspecto foi evidenciado, com
clareza, na decisão que indeferiu o pedido de habilitação formulado
pelo Espólio de Mercedes Magdalena Serrador Martins:
Por outro lado, uma vez adotado
pelos cônjuges um regime de bens,
que passa a vigorar desde a data
do casamento (art. 230 do Código Civil de1916, art. 1.639, parágrafo 3º, do Código Civil de 2002), é ele irrevogável (art.
229 do Código Civil de 1916) sendo apenas, agora (art. 1639, parágrafo 2º,
do Código Civil de 2002) passível de alteração mediante autorização judicial,
circunstância essa não ocorrente e, assim, irrelevante para a hipótese sob exame.
Há no plano sucessório, influência inquestionável do regime de bens no
casamento, não se podendo afirmar que são absolutamente independentes e
sem relacionamento no tocante às causas e aos efeitos esses institutos que a
lei particulariza nos direitos de família e das sucessões.
MAGDALENA Serrador MARTINS, portanto, que detinham a livre
administração de seus bens particulares e que deles podiam dispor
livremente inter vivos ou por testamento (art. 27 do Código Civil de 1916; art.
1.647 do Código Civil de 2002; art. 1.626 do Código Civil de 1916; art. 1.857
do Código Civil de 2002).
O fato do casamento se dissolver pela morte dos cônjuges não gera o
direito de permitir que a partilha de seus bens particulares seja realizada por
forma diversa da admitida pelo regime de bens a que submetido o
casamento, nem transforma o testamento, se feito por qualquer deles em
conformidade com as disposições da lei e levando em conta o pacto
antenupcial adotado, em ato jurídico inoperante, imperfeito, inacabado,
subvertendo-se o que a respeito de seu patrimônio foi avençado pela livre
manifestação de vontade dos cônjuges ao casar.
O regime de bens do casamento depende exclusivamente da livre
manifestação de vontade dos cônjuges, como resultado de um acordo de
vontades livres e inteligentes, versando objeto lícito, e constitui um ato
jurídico perfeito e acabado, irrevogável sob a égide do Código Civil de 1916,
uma vez que se lhe siga, como na espécie dos autos, o casamento,
devidamente registrado (fls. 097 e fls. 111)
É evidente que, casando sob o regime da separação convencional de
bens, os cônjuges não vislumbraram, na época em que matrimoniaram, a
hipótese de ser a livre disposição de seus bens, de seu patrimônio particular,
alterada por lei nova superveniente, que retroagisse a ponto de fazer emergir
um direito novo, transformando em herdeiro necessário quem assim não era,
e de, por essa forma, transfigurar o regime de bens que adotaram
legitimamente quando a lei vigente admitia, a ponto de impedir o cônjuge de
livremente dispor de seus bens particulares.
Sob a sistemática do Código Civil de 1916 a esposa do ora inventariado,
não tendo o casal descendentes ou ascendentes, seria a herdeira de seu
patrimônio (art. 1.611 do Código Civil de 1916), o que se repete no atual (art.
1.838 do Código Civil de 2002), caso o de cujus não houvesse disposto da
totalidade dos seus bens
particulares, haja vista o regime da completa
separação do patrimônio, em
testamento; entretanto, certamente porque
dotados ambos de cabedais de
vulto (fls. 22/23 e fls. 148/153), o
inventariante preferiu testar, em
25.06.2001, quando ainda não vigorante o
atual Código Civil, para
manifestar sua expressa e livre vontade de aquinhoarterceiro, seu sobrinho, deixando de lado o cônjuge, com todo o patrimônio
que tinha, limitando-se a instituir a esposa como usufrutuária vitalícia.
Violados estarão - e isso é inadmissível - pela lei nova os fins diretos e
imediatos que os cônjuges se obrigaram e tiveram em mira com o regime
convencional da completa separação de bens, o qual, inclusive, terá sido, por
sua natureza, o alicerce fundamental do consentimento que expressaram
para instituir matrimônio.
Não se pode, conseqüentemente, situar a questão exclusivamente sob
a alçada do direito sucessório, fazendo-a simplistamente depender de lei
nova superveniente que deu ao cônjuge supérstite a posição de herdeiro
ecessário no momento em que se abriu a sucessão, limitando o que, por
sua complexidade e por violar ato jurídico perfeito como pacto antenupcial e a
livre expressão de vontade dos nubentes ao contrair matrimônio, não pode
deixar de merecer interpretação ampla e que não leve ao desprezo aspectos
fulcrais do matrimônio e de seu regime de bens à ocasião em que realizados.
O regime de bens convencional do casamento uma vez isento de vícios,
é um contrato perfeito e acabado, que se integra ao patrimônio de cada um
dos cônjuges e à união familiar, seja quanto às relações pessoais entre si,
seja no tocante a terceiros, não podendo as regras a respeito serem
modificadas por lei nova, a qual, mesmo substituindo in totum a antecedente,
terá vigencia somente no relativo às sucessões futuras, em seqüência a sua
entrada em vigor. (fls. 574/576).
3. Impõe-se, no caso, a
interpretação sistemática e teleológica dos dispositivos legais em comento, a
fim de que não ocorra o malferimento de princípios a eles preexistentes.
Acerca da matéria, José de
Oliveira Ascensão - "O Direito, Introdução e Teoria Geral", 3ª edição,
Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa, n. 194, p. 321, preleciona que:
A interpretação deve ter em conta
a "unidade do sistema jurídico".
Repetidamente acentuamos já que
toda a fonte se integra numa ordem, quea regra é modo de expressão dessa ordem global. Por isso a interpretação
duma fonte não se faz isoladamente, atendendo por exemplo a um texto
como se fosse válido fora do tempo e do espaço. Resulta pelo contrário da
inserção desse texto num conjunto jurídico dado.
Aplicando-se o acima disposto ao
caso concreto, tem-se que, permitir a uma lei superveniente nomear como
herdeiro necessário quem antes não o era à época de
testamento lavrado em
conformidade com manifestação de vontade expressa econsubstanciada em pacto antenupcial de separação total de bens, é tornar inválido tal
testamento e emprestar efeitos retroativos ao pacto que existia e se tornou perfeito e
acabado com o casamento, afrontando a boa fé e a vontade dos cônjuges que, com certeza, assim decidiram considerando as circunstâncias familiares e sociais, bem como
os reflexos econômicos futuros na linha sucessória.
Savigny, lembrado por Paulo Nader (Curso de Direito Civil, Vol. I, 6ª edição, Editora Forense), distinguiu duas grandes classes de normas jurídicas: a) referentes à
aquisição de direitos; b) as que dizem respeito à existência (ou inexistência) ou modo de
ser de um direito ou de um instituto jurídico. No primeiro caso, não pode haver retroatividade da nova lei.
4. Importante, neste patamar,
destacar a importância do Princípio da Boa-Fé Objetiva e seus elementos
caracterizadores na celebração dos contratos. Sobre o assunto, trago à colação texto de
Judith Martins-Costa, em sua obra "A Boa-fé no Direito Privado", no qual a autora
refere-se as condições da responsabilidade pré-contratual:
A existência de negociações,
qualquer que seja a sua forma, antecedente a
um contrato; a prática de atos tendentes
a despertar, na contraparte, aconfiança legítima de que o contrato seria concluído; a efetiva confiança, da
contraparte; a existência de dano decorrente da quebra desta confiança, por
terem sido infringidos deveres jurídicos que a tutelam; e, no caso da ruptura
das negociações, que esta tenha sido injusta, ou injustificada – aí estão,
sinteticamente postas, as condições da responsabilidade pré-negocial."
Pensamento semelhante desenvolve
Karina Nunes Fritz:
Percebe-se, então, o importante papel
atribuído à boa-fé objetiva no direitoalemão: ela completa, integra a liberdade de exercício de direitos, a
utonomia privada e seu principal desdobramento, a liberdade contratual,
poder conferido pelo ordenamento ao sujeito de decidir acerca da celebração
de um contrato e de determinar livremente seu conteúdo. Significa isso dizer
que as partes devem, no exercício dessa autonomia, agir eticamente,
considerando os interesses do outro, aspecto essencial da idéia de boa-fé.
Daí dizer Larenz que o "princípio da boa-fé significa, em seu sentido literal,
que cada um deve manter lealdade à sua palavra e não frustrar ou abusar da
confiança, que forma a base indispensável para todos os relacionamentos
humanos, (significa) que ele deve proceder como se pode esperar de alguém
que pensa honestamente ".
A boa-fé objetiva não é, como se costuma dizer, uma fórmula vazia. Seu
conceito remete a valores éticos, como lealdade, honestidade e consideração
pelos interesses alheios, razão pela qual é também denominada de boa-fé
ética, mas isso não implica indefinição.
(...)
Por essa razão, diz Martins-Costa que, na tarefa de verificar se determinado
comportamento corresponde, ou não, aos padrões de honestidade e lealdade
exigidos pela boa-fé, deve o juiz averiguar qual a concepção de boa-fé
vigente na doutrina e jurisprudência, pois, como enfatiza a autora, "não se
trata de determinar, por óbvio, qual é a sua própria valoração ". Também
Rosado de Aguiar Júnior compartilha dessa visão ao afirmar que "a boa-fé é
uma cláusula geral cujo conteúdo é estabelecido em concordância com os
princípios gerais do sistema jurídico (liberdade, justiça e solidariedade) ".
("Boa-fé objetiva na fase pré-contratual" Editora Afiliada, p. 110/111)
Também citando Rui Rosado de
Aguiar, discorre Lucinete Cardoso de Melo que:
Segundo Ruy Rosado de Aguiar,
podemos definir boa-fé como "um princípio
geral de Direito, segundo o qual
todos devem comportar-se de acordo comum padrão ético de confiança e lealdade. Gera deveres secundários de
conduta, que impõem às partes comportamentos necessários, ainda que não
expressamente nos contratos, que devem ser obedecidos a fim de
permitir a realização das justas expectativas surgidas em razão da
celebração e da execução da avença".
Como se vê, a boa-fé objetiva diz respeito à norma de conduta, que
determina como as partes devem agir. Todos os códigos modernos trazem as
diretrizes do seu conceito, e procuram dar ao Juiz diretivas para decidir.
Mesmo na ausência da regra legal ou previsão contratual específica, da
boa-fé nascem os deveres, anexos, laterais ou instrumentais, dada a relação
de confiança que o contrato fundamenta.
Não se orientam diretamente ao cumprimento da prestação, mas sim ao
processamento da relação obrigacional, isto é, a satisfação dos interesses
globais que se encontram envolvidos. Pretendem a realização positiva do fim
contratual e de proteção à pessoa e aos bens da outra parte contra os riscos
de danos concomitantes.
Na questão da boa-fé analisa-se as condições em que o contrato foi firmado,
o nível sociocultural dos contratantes, seu momento histórico e econômico.
Com isso, interpreta-se a vontade contratual. ( "O princípio da boa-fé objetiva no Código Civil",
http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=6027)
Destaca-se, assim, a necessidade
de aplicação do Princípio da Boa Fé Objetiva na omplementação das
normas que as partes deixaram de usar e, mais ainda,de se aferir o sentido a ser
emprestado às declarações de vontade, especialmente quanto aos temas expressamente
contratados.
Aldemiro Rezende de Dantas Júnior
citando Alfonso de Cosio e Cabral, escreve:
No direito moderno a boa-fé
assumiu o papel de uma fonte de normas
objetivas, cuja atuação concreta
se dá mediante a aplicação de princípiosgerais, esclarecendo em seguida, que isso significa que a boa-fé pode ser
entendida como norma geral, que se diversifica e especializa para cada
situação concreta, ou seja, cujo conteúdo será formado e determinado em
função das circunstâncias concretas. ("Teoria dos Atos Próprios no
Princípio da Boa-Fé", Editora Juruá)
Segundo, ainda, o referido autor:
(...) em relação aos contratos, a
conduta ditada pela boa-fé se impõe não
apenas ao longo da execução do
mesmo mas antes mesmo de ter seaperfeiçoado o ajuste e ainda depois que o mesmo já foi integralmente
cumprido nas fases pré e pós contratuais. E ainda mais, tal comportamento
não se impõe apenas aos negócios jurídicos que se situam dentro do campo
das obrigações, mas em relação a todos os negócios jurídicos e m geral. (ob.
cit.)
No mesmo sentido, Judith Martins-Costa
ao discorrer sobre os direitos instrumentais decorrentes da
boa-fé objetiva:
Dito de outro modo, os deveres
instrumentais "caracterizam-se por uma
função auxiliar da realização
positiva do fim contratual e de proteção àpessoa e aos bens da outra parte contra os riscos de danos concomitantes",
servindo, "ao menos as suas manifestações mais típicas, o interesse na
conservação dos bens patrimoniais ou pessoais que podem ser afetados em
conexão com o contrato (...)".
Trata-se, portanto, de "deveres de adoção de determinados comportamentos,
impostos pela boa-fé em vista do fim do contrato (...) dada a relação de
confiança que o contrato fundamenta, comportamentos variáveis com as
circunstâncias concretas da situação ". Ao ensejar a criação desses deveres,
a boa-fé atua como fonte de integração do conteúdo contratual,
determinando a sua otimização independentemente da regulação
voluntaristicamente estabelecida. ("A Boa-Fé no Direito Privado"; Editora
Revista dos Tribunais, p. 440)
Afirma Pontes de Miranda, em seu
Tratado de Direito Privado", Tomo III, Editora BookSeller, p. 374:
Rigorosamente, as regras de
boa-fé entram nas regras do uso do tráfico,
porque tratar lisamente, com
correção, é o que se espera encontrar nasrelações da vida. Os usos do tráfico, mais restritos, ou mais especializados,
apenas se diferenciam, por sua menor abrangência. Quando se diz que a
observância do critério da boa-fé, nos casos concretos, assenta em
apreciação de valores, isto é, repousa em que, na colisão de interesses, um
deles há de ter maior valor, e não em deduções lógicas, apenas se alude ao
que se costuma exigir no trato dos negócios. Regras de boa-fé são regras do
uso do tráfico, gerais, porém de caráter cogente, que de certo modo ficam
entre as regras jurídicas cogentes e o direito não-cogente, para encherem o
espaço deixado pelas regras jurídicas dispositivas e de certo modo servirem
de regras interpretativas.
Busca-se assegurar, como se vê, a
proteção à confiança fundada de cada uma das partes contratantes e
suas legítimas expectativas não apenas quanto à validade e eficácia do negócio jurídico
mas quanto ao seu cumprimento, a fim de que sejam alcançados os resultados reais
colimados pelas partes.
Com efeito, não se pode olvidar
que são constitucionalmente assegurados os princípios da segurança
jurídica, da boa-fé objetiva, da proteção da confiança e do ato jurídico perfeito.
Sobre o ato jurídico e os
negócios jurídicos firmados anteriormente à vigência do Novo Código Civil,
doutrina Daniel Guerra Gunzburguer, em artigo publicado na Revista Forense, julho/agosto
2005, p. 29:
Assim, embora o art. 2.035
estabeleça que os efeitos dos negócios jurídicos
constituídos antes da entrada em
vigor do Código Civil de 2002 ficamsubordinados aos seus preceitos, somos de opinião que, para tais negócios
jurídicos, devem ser respeitados os dispositivos da lei anterior, seja ela o
Código Civil de 1916 ou qualquer outra, em decorrência do art. 5º, XXXVI da
Constituição Federal, que protege o ato jurídico perfeito
(...)
O ato jurídico já se consumou e portanto seus efeitos devem decorrer da
regra em vigor utilizada na época de sua constituição. (...)
Assim sendo, conclui-se que quando concretizada a obrigação sob a égide
a lei anterior, esta será a lei competente para regular todos os seus efeitos.
Alei nova terá, portanto, incidência imediata somente com relação aos fatos
que não atinjam direitos adquiridos ou ato jurídico perfeito, sob pena de
ensejar violação aos dispositivos constitucionais considerados como cláusula
pétrea no art. 60, § 4º da Constituição Federal.
Em artigo intitulado "Regime
patrimonial de bens entre cônjuges e direito intertemporal", Lindajara
Ostjen Couto menciona o entendimento de juristas renomados acerca da matéria:
1.A lei em vigor
tem efeito geral e imediato, mas não pode prejudicar o direito
adquirido, o ato jurídico
perfeito e a coisa julgada, conforme determina o arts.5º XXXVI, da Constituição Federal e art. 6º, caput, da Lei de Introdução ao
Código Civil.
2.O jurista Pontes de Miranda considera que "lei nova estabelecendo outro
regime legal, ou que modifica o existente até então, não alcança os
casamentos celebrados antes dela, salvo regra explícita em contrário".
3.O posicionamento do Washington de Barros Monteiro é o seguinte: "As
relações de caráter patrimonial, que o casamento origina, regulam-se pela lei
do tempo em que se formaram. O regime de bens não está sujeito às
alterações da lei nova".
4.O Jurista Leônidas Filippone Farrula Júnior afirma que o casamento se
aperfeiçoa com as núpcias e as questões patrimoniais do casamento se
regulam pela legislação vigente à época da celebração. E, ainda, completa
que a alteração do regime de bens aos casamentos anteriores ao CC/02
acarretaria a infringência ao ato jurídico perfeito e ao princípio constitucional
de irretroatividade das leis.
5.Afirma, ainda, que a interpretação literal do art. 2.039, quando menciona "é
o por ele estabelecido", se refere a todo o ordenamento jurídico referente aos
regimes de bens, assim entende que, o código anterior, mesmo revogado,
permanecerá eficaz para disciplinar esta matéria.
6.Maria Helena Diniz tem a posição de que a lei revogada permanecerá a
produzir efeitos "porque outra lei vigente ordena o respeito às situações
jurídicas definitivamente constituídas ou aperfeiçoadas no regime da lei
anterior" ou "se deve aplicar a lei em vigor na época em que os fatos
aconteceram." ("Teoria dos Atos Próprios no Princípio da Boa-Fé",
Editora Juruá "http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=6248&p=2).
José da Silva Pacheco em artigo publicado
na Revista da Academia Brasileira de Letras Jurídicas,
Ano XVIII, n. 21, Rio de Janeiro , 1º Semestre de 2002, p.66, comenta:
Entretanto, entre as disposições
transitórias, inscreve-se a do art. 2.039
segundo a qual, nos casamentos
celebrados na vigência do Código Civilanterior, observa-se, quanto ao regime de bens, o que nesse código é
estabelecido, mesmo depois de iniciar a vigência do novo Código Civil.
Nessa mesma linha de pensamento expressa o Excelso Pretório que:
O disposto no artigo 5º, XXXVI,
da Constituição Federal se aplica a toda e
qualquer lei infraconstitucional,
sem qualquer distinção entre lei de direitopúblico e lei de direito privado, ou entre lei de ordem pública e lei dispositiva.
Precedente do STF." (RTJ 143/724, Rel. Min. MOREIRA ALVES, Pleno -
grifei) Cumpre ter presente, bem por isso, a lição da doutrina, que, tomando
em consideração a realidade
jurídico-constitucional vigente no Brasil, repudia,
por incompatíveis com a
Constituição da República, todas as hipóteses de
retroatividade injusta: "...
um contrato perfeito e acabado na vigência de uma
lei permanece intocável, nas suas
disposições, ainda no que diz respeito aos
seus efeitos futuros,
manifestados quando já começou a viger uma lei nova
derrogante. A aplicação da lei
nova, nessa hipótese, implicaria retroatividade,
em desobediência ao preceito
constitucional.
.......................................................
Regra básica e inalterável é que todas as
conseqüências de um contrato
concluído sob o império de uma lei,
inclusivamente seus efeitos
futuros, devem continuar a ser reguladas por
essa lei em homenagem ao valor da
certeza do direito e ao princípio da tutela
do equilíbrio contratual. A
aplicação imediata da lei nova aos efeitos
posteriores à sua vigência incide
no seu fato gerador, e, portanto, implicaria
aplicação retroativa."
(ORLANDO GOMES, "Questões Mais Recentes de
Direito Privado", p. 4, item
n. 3, 1988, Saraiva - grifei) Perfilha igual
orientação J. M. OTHON SIDOU,
para quem, considerada a concepção
vigente no sistema normativo
brasileiro pertinente à resolução do conflito
intertemporal de leis, "A
lei nova não atinge conseqüências que, segundo a
lei anterior, deviam derivar da
existência de determinado ato, fato ou relação
jurídica, isto é, que se unem à
sua causa como um corolário necessário e
útil", enfatizando, a esse
propósito, que: "Retroativa e, portanto, condenável
(...) é não somente a regra
positiva que contrasta com as conseqüências, já
realizadas, do fato consumado,
mas também a que impede as conseqüências
futuras do mesmo fato, por uma
razão relativa só a ele." ("O Direito Legal", p.
228/229, item XIII, 1985, Forense
- grifei). (AI 250949/SP, Relator Ministro
CELSO DE MELLO, DJ 05/09/2000).
Do acima exposto, firmam-se as
seguintes conclusões:
- dispõe o artigo 2.039, do
Código em vigor, que o regime de bens nos
casamentos celebrados na vigência
do anterior será o que foi por ele estabelecido;
- tendo sido fixado, em pacto
antenupcial firmado sob a égide do Código
Civil de 1916, o regime de separação
de bens, em estrita observância ao referido
princípio da autonomia da
vontade, lei alguma posterior poderia alterá-lo por se tratar de
ato jurídico perfeito;
- permanecendo, portanto, com
plena eficácia, o pacto antenupcial, devem
ser respeitados os atos jurídicos
subseqüentes, dele advindos, especialmente o
testamento celebrado por um dos
cônjuges;
- existe no plano sucessório,
influência inegável do regime de bens no
casamento, não se podendo afirmar
que são absolutamente independentes e sem
relacionamento no tocante às
causas e aos efeitos esses institutos que a lei particulariza
nos direitos de família e das
sucessões;
- a dissolução do casamento pela
morte dos cônjuges não autoriza que a
partilha de seus bens
particulares seja realizada por forma diversa da admitida pelo
regime de bens a que submetido o
casamento e nem transforma o testamento, se feito
por qualquer deles em
conformidade com as disposições da lei e levando em conta o
pacto antenupcial adotado, em ato
jurídico inoperante, imperfeito e inacabado;
- o art. 2.042 do Novo Código
Civil deve ser ser interpretado em
consonância com os arts. 2.039 do
mesmo Diploma legal e art. 6º § 1º da LICC,
observadas as peculiaridades do
caso concreto, pois tanto o testamento quanto o pacto
antenupcial firmado entre as
partes na vigência da lei antiga, devem ser respeitados,como atos jurídicos perfeitos, sob pena de se gerar uma situação de insegurança jurídica
e de se ferir os princípios da autonomia da vontade e da boa-fé objetiva, de observância
obrigatória a fim de se assegurar a proteção à confiança fundada de cada uma das
partes contratantes e suas legítimas expectativas não apenas quanto à validade e
eficácia do negócio jurídico mas quanto ao seu cumprimento.
Pelo exposto, acompanho o relator
e dou provimento ao recurso especial.
É com o voto.
Na assentada do dia 19 de março de 2009, pelo voto do relator -
Min. CARLOS FERNANDO MATHIAS - foi conhecido e provido o recurso
especial interposto pelo ESPÓLIO DE PAULO MARTINS FILHO contra acórdão da
Segunda Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro,
sendo acolhida a tese segundo a qual, na espécie, em vista das peculiaridades
que cercam o caso em comento, deve ser afastada a invocação da regra de que a
sucessão se subordina à lei vigente à época do falecimento, de modo a serem
tidas como hígidas as disposições de última vontade do testador.
Na ocasião, proferi
voto acompanhando o relator. Em seqüência, o
Min. JOÃO OTÁVIO DE
NORONHA pede vista dos autos, inaugurando a
divergência, para não
conhecer do recurso especial, em face dos seguintes
argumentos:
a) de acordo com as
disposições do Código Civil de 2002, o
cônjuge supérstite é
herdeiro necessário;
b) a capacidade para
suceder corresponde à lei em vigor quando da
abertura da sucessão;
c) inexiste direito
adquirido de herdar enquanto vivo o titular dopatrimônio a ser partilhado, e
d) não houve renúncia à herança pela viúva.
Com o prosseguimento
do julgamento, nova vista dos autos é requerida, agora pelo
Min. LUÍS FELIPE SALOMÃO, que profere voto no mesmosentido do relator,
acrescido das seguintes conclusões, verbis :
"dispõe
o artigo 2.039, do Código em vigor, que o regime de bens
nos
casamentos celebrados na vigência do anterior será o que foipor ele estabelecido;
-
tendo sido fixado, em pacto antenupcial firmado sob a égide do
Código
Civil de 1916, o regime de separação de bens, em estritaobservância ao referido princípio da autonomia da vontade, lei
alguma posterior poderia alterá-lo por se tratar de ato jurídico perfeito;
- permanecendo, portanto, com plena eficácia o pacto antenupcial,
devem ser respeitados os atos jurídicos subseqüentes, dele
advindos, especialmente o testamento celebrado por um dos cônjuges;
- existe no plano sucessório, influência inegável do regime de bens
no casamento, não se podendo afirmar que são absolutamente
independentes e sem relacionamento no tocante à causa e aos
efeitos esses institutos que a lei particulariza nos direitos de
família e das sucessões;
- a
dissolução do casamento pela morte dos cônjuges não autoriza
que
a partilha de seus bens particulares seja realizada por formadiversa da admitida pelo regime de bens a que submetido o
casamento e nem transforma o testamento, se feito por qualquer
deles
em conformidade com a lei e levando em conta o pacto
antenupcial
adotado, em ato jurídico inoperante, imperfeito e inacabado;
- o art.
2042 do Novo Código Civil deve ser interpretado em
consonância
com os arts. 2039 do mesmo Diploma legal e art. 6º §
1º
da LICC, observadas as peculiaridades do caso concreto, pois
tanto
o testamento quanto o pacto antenupcial firmado pelas
partes
na vigência da lei antiga, devem ser respeitados, como atos
jurídicos
perfeitos, sob pena de se gerar uma situação de
insegurança
jurídica e de se ferir os princípios da autonomia da
vontade
e da boa-fé objetiva, de observância obrigatória a fim de
se
assegurar a proteção à confiança fundada de cada uma das
partes
contratantes e suas legítimas expectativas não apenas
quanto
à validade e eficácia do negócio jurídica mas quanto ao
seu
cumprimento."
Nesse contexto, tendo
em vista o enriquecimento das discussões,
com a vinda a lume de
novas teses e argumentos, solicitei vista dos autos,
apesar de já ter
proferido meu voto, para uma reflexão mais aprofundada acerca
da controvérsia.
Analisada a questão
de forma mais acurada, com a vênia devida, tenho que a solução
alvitrada pelo relator, e já adotada por mim em um primeiro momento,
deve prevalecer.
Com efeito, por Paulo
Martins Filho e Mercedes Magdalena Serrador Martins foi
firmado pacto antenupcial em 19 de maio de 1950, lavradoos seguintes termos:
"Resolveram
que o seu casamento se regerá pela completa
separação
de bens; que assim todos os bens presentes e futurospertencerão como próprios e serão incomunicáveis, bem assim os
rendimentos de tais bens, podendo cada um dos outorgantes e
reciprocamente outorgados livremente dispor dos seus bens e
rendimentos sem intervenção do outro e como lhe aprouver,
mantendo cada um dos outorgantes e reciprocamente outorgados
a exclusiva autoridade de administração, usar e dispor de seus
bens a seu livre arbítrio" (fls. 139)
Referido documento
ganha eficácia em 31 de maio do mesmo ano, com a celebração do
matrimônio dos contraentes pelo regime da separação de bens (fls. 138).
Em 25 de junho de
2001, passados, portanto, mais de 50 anos da lavratura do pacto
antenupcial, nova manifestação de vontade é emitida pelo cônjuge varão, no
mesmo sentido das anteriores, agora na elaboração de seu testamento, deixando
para um sobrinho todos os seus bens, gravados, porém, com a cláusula de
usufruto vitalício em favor de sua esposa.
Do quanto exposto, é
possível constatar a coerência e certeza com que os cônjuges
dispõem acerca da destinação de seu patrimônio, restando questionar se vontade
assim tão claramente expressa subsiste aos ditames impositivos do novo
Código Civil.
Com efeito, em 26 de
maio de 2004, falece Paulo Martins Filho.
Nessa ocasião já está
em vigência o Código Civil de 2002 que, assim, passa a reger a sucessão do
cônjuge varão, por força do disposto no art. 1787 do referido Diploma
Legal, verbis :
"Art.
1787. Regula a sucessão e a legitimação para suceder a lei
vigente
ao tempo da abertura daquela."
Do mesmo teor, a
norma contida no art. 1577 do Código de 1916, segundo a qual
"A capacidade para suceder é a do tempo da abertura da sucessão, que se
regulará conforme a lei então em vigor".
Dessa forma, salvo
melhor juízo, a controvérsia não se instala especificamente sobre
matéria de direito intertemporal, ou sobre quais as normas incidentes
sobre a hipótese em comento, mas sim sobre o modo de sua interpretação.
Com efeito, o art.
1829, I, do Código Civil vigente reconhece ao cônjuge a condição de
herdeiro necessário, "salvo se casado este com o falecido no regime da comunhão
universal, ou no da separação obrigatória de bens (art. 1640, parágrafo
único); ou se, no regime da comunhão parcial, o autor da herança não houver
deixado bens particulares;".
Assim, no que
respeita ao regime de separação convencional de bens, que nos
interessa no particular, o cônjuge, segundo uma interpretação literal da norma, é
herdeiro necessário.
Nessa ordem de
ideias, Mercedes Magdalena Serrador Martins seria herdeira de
metade dos bens deixados por Paulo Martins Filho, passando, esse patrimônio, com
sua morte, a seus sobrinhos que, assim, teriam legitimidade para
requerer sua habilitação no inventário dos bens deixados pelo cônjuge varão, como
entendeu a Corte carioca.
Essa não parece,
porém, a melhor exegese a ser dada ao art. 1829, inciso I, do Código
Civil de 2002.
De fato, o legislador
reconhece aos nubentes, já desde o Código Civil de 1916, a
possibilidade de autodeterminação no que se refere ao seu patrimônio,
autorizando-lhes a escolha do regime de bens, dentre os quais o da separação total, no
qual, segundo Pontes de Miranda, "os patrimônios dos cônjuges permanecem
incomunicáveis, de ordinário sob a administração exclusiva de cada
cônjuge, que só precisa da outorga do outro cônjuge, para a alienação dos bens de
raiz" (Tratado de Direito Privado. São Paulo: Ed. Borsói, tomo 8, p. 343),
incomunicabilidade que se perpetua com o falecimento de um deles, dada a
possibilidade de se excluir o cônjuge sobrevivente da qualidade
de herdeiro, através
de testamento, como no caso em comento.
Assim, qualquer que
seja a razão pela qual os cônjuges decidem por renunciar um ao
patrimônio do outro, essa determinação é respeitada pela lei anterior. No novo
Código Civil, porém, adotada interpretação literal do art.1829, se conclui pela
inclusão do cônjuge sobrevivente como herdeiro
necessário, o que no
caso de separação convencional de bens, significa que é concedido aos consortes
liberdade de autodeterminação em vida, retirada essa, porém, com o advento
da morte, transformando a sucessão em uma espécie de proteção
previdenciária.
Cuida-se,
iniludivelmente, de quebra na estrutura do sistemacodificado. Com
efeito, não há como compatibilizar as disposições do art.1639, que autoriza os
nubentes a estipular o que lhes aprouver em relação a seus bens, bem como
do art. 1687, que permite a adoção do regime deseparação absoluta de
bens (afastando, inclusive, a necessidade de outorga do outro cônjuge para a
alienação de bens), com os termos do art. 1829, que eleva o cônjuge
sobrevivente à qualidade de herdeiro necessário, determinando, inexoravelmente, a
comunicabilidade dos patrimônios. De fato, seria de se questionar o porquê
de se escolher a incomunicabilidade de bens, se eles necessariamente se
somarão no futuro.
Tal inconsistência é
apontada pelo Professor Miguel Reale, que a respeito do tema
assim se pronuncia, verbis :
Jurisconsulto Jean Portalis, um dos principais elaboradores do
Código Napoleão.
Desse
entendimento básico me lembrei ao surgirem dúvidas
quanto
ao verdadeiro sentido do inciso I do art. 1.829 do novoCódigo Civil, segundo o qual a sucessão legítima cabe, em
primeira linha, aos "descendentes, em concorrência com o
cônjuge sobrevivente, salvo se casado este com o falecido no
regime da comunhão universal de bens ou da separação
obrigatória de bens (art. 1.640, parágrafo único); ou se, no
regime da comunhão parcial, o autor da herança não houver
deixado bens particulares".
Há
quem entenda que, desse modo, o cônjuge seria herdeiro necessário
também na hipótese de ter casado no regime de separação
de bens (art. 1.687), o que não me parece aceitável.
Essa
dúvida resulta do fato de ter o art. 1.829, supratranscrito, excluído
o cônjuge somente no caso de "separação obrigatória". A interpretação
desse dispositivo isoladamente pode levar a uma
conclusão
errônea, devendo, porém, o intérprete situá-lo no contexto
sistemático das regras pertinentes à questão que está sendo
examinada." (Estudos Preliminares do Código Civil. SãoPaulo: Editora Revista dos Tribunais, 2003, p. 61 e 62)
Tecidas essas
considerações, o ilustre professor faz um aparte para explicar que a razão
pela qual se teve por bem incluir o cônjuge como herdeiro necessário foi a
alteração do regime legal de bens, da comunhão para a comunhão parcial, o
que pode resultar em nada sobrar para o meeiro, se o
patrimônio do
falecido se compuser exclusivamente de bens particulares. De todo modo, sobre a
interpretação do art. 1829, I, conclui:
"Recordada
a razão pela qual o cônjuge se tornou herdeiro, não é
demais
salientar a importância que o elemento histórico tem noprocesso interpretativo. Tendo, pois, presente a finalidade que o
legislador tinha em vista alcançar, estamos em condições de
analisar melhor o sentido do mencionado inciso, mantida que seja
sua redação atual.
Nessa
ordem de idéias, duas são as hipóteses de separação obrigatória:
uma delas é a prevista no parágrafo único do art.1.641,
abrangendo vários casos; a outra resulta da estipulação feita
pelos nubentes, antes do casamento, optando pela separação de
bens.
A
obrigatoriedade da separação de bens é uma conseqüência necessária
do pacto concluído pelos nubentes, não sendo a expressão
"separação obrigatória" aplicável somente nos casos
relacionados
no parágrafo único do art. 1641.
Essa
minha conclusão ainda mais se impõe ao verificarmos que -se o
cônjuge casado no regime de separação de bens fosse considerado
herdeiro necessário do autor da herança - estaríamos
ferindo
substancialmente o disposto no art. 1687, sem o qual desapareceria
todo o regime de separação de bens, em razão de conflito
inadmissível entre esse artigo e o art. 1829, inc. I, fato quejamais poderá ocorrer numa codificação à qual é inerente o princípio da unidade sistemática.
Entre
uma interpretação que esvazia o art. 1687 no momento crucial
da morte de um dos cônjuges e uma outra que interpreta de
maneira complementar os dois citados artigos, não se pode deixar
de dar preferência à segunda solução, a qual, ademais, atende
à interpretação sistemática, essencial á exegese jurídica" (Op.
cit, p. 62 e 63).
Pouco resta a
acrescentar.
De fato, a
interpretação ampliativa do termo "separação obrigatória",
constante do art. 1829, inciso I, do Código Civil de 2002, para abranger não somente
as hipóteses elencadas no art. 1640, parágrafo único, mas também os casos em
que os cônjuges estipulam a separação absoluta de seus
patrimônios, não
esbarra na intenção do legislador quando decide corrigir eventuais injustiças
decorrentes da alteração do regime legal, ao mesmo tempo em que respeita o
direito de autodeterminação concedido aos cônjuges no atinente a seu
patrimônio tanto pela legislação anterior, quanto pela presente.
Além disso, se evita
a perplexidade retratada no caso em comento, no qual os cônjuges
de maneira cristalina e reiterada estipulam a forma de destinação de seus
bens e acabam por ter suas determinações feridas, ainda que post
mortem .
Cumpre assinalar que
a proteção ao cônjuge sobrevivo, para aqueles que não se
conformam com a renúncia ao patrimônio do falecido feita quando da escolha do
regime de bens, pode se dar por outras formas que não sua qualificação como
herdeiro necessário, a exemplo da estipulação de
usufruto vitalício a
seu favor, nos exatos moldes do presente caso.
Ante o exposto,
conheço do recurso e lhe dou provimento para restabelecer a
sentença de primeiro grau, que indefere o pedido de habilitação do espólio de
Mercedes Magdalena Serrador Martins no inventário do bens deixados por Paulo
Martins Filho.
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